A realidade das mulheres na carreira jurídica explicita, ainda hoje, algo muito comum: a disparidade entre os gêneros. Historicamente, esse assunto remete ao século XIX, ao final deste período, quando Maria Augusta Saraiva tornou-se a primeira mulher a ingressar no curso de direito, no ano de 1897, que ocorreu somente 70 anos após a criação das faculdades de direito no Brasil, em 1827. Esse fato demonstra que houve um atraso da inserção das mulheres neste mercado de trabalho, o que se apresenta prejudicial até os dias atuais, uma vez que há uma maior presença masculina na atuação jurídica.
1. A hegemonia masculina no meio jurídico
Não é possível supor que, atualmente, a disparidade entre os gêneros foi superada, apesar de haver uma diferença secular entre a inserção feminina no direito e atuação atual. Isso porque, as análises estatísticas comprovam que ainda há uma menor parcela feminina atuando em cargos do judiciário, como demonstra a iniciativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ocorrida no ano de 2023, que pretende aumentar a equidade de gênero nos próximos 10 anos por conta da magistratura ter apenas 38% de composição por mulheres.
Outro parâmetro propõe que, segundo uma pesquisa feita pelo Conselho Federal da OAB, a maioria dos advogados são mulheres, sendo estas 51% dos profissionais atuantes, com um aumento da presença feminina na faixa etária até os 40 anos. A dedução que seria feita a partir desses dados é que existe uma equidade na carreira jurídica, mas conforme os cargos vão apresentando maior poder a parcela masculina aumenta, até se tornar majoritária. Assim, ao se analisar a composição do Supremo Tribunal Federal (STF) tem-se que, dos onze ministros do órgão, há apenas uma mulher exercendo o cargo, demonstrando, de forma fática, que a carreira jurídica não propicia a ascensão feminina.
2. A disparidade salarial entre os gêneros
Uma forma de dificultar um melhor desenvolvimento profissional das mulheres é através da diminuição do valor de seu trabalho. Sendo essa uma recorrente causa da disparidade entre os gêneros, houve a necessidade de criação da Lei nº 14.611, de 2023, a qual normatiza a igualdade salarial entre homens e mulheres. Apesar de ser uma iniciativa fulcral para a busca ativa de melhora do aspecto de disparidade da sociedade, é necessário destacar que esse é um tema que está sendo recorrentemente trazido, inclusive por órgãos de escala internacional, como a Organização das Nações Unidas (ONU), através dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), a fim de propor trabalho decente, excluindo, portanto, preconceitos sobre gênero, raça, etnia, origem e idade.
Com isso, entendendo a importância da busca de uma real igualdade salarial para o exercício do mesmo cargo, é necessário questionar se, pela recente instauração da lei, haverá uma real fomentação desse ideal na sociedade, ou seja, a conscientização e o uso de políticas favoráveis. Caso não haja uma conscientização do impacto dessa disparidade de gênero no meio trabalhista, a criação da legislação não será suficiente para sanar a problemática.
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3. Preconceitos referentes à maternidade
São constantes as falas femininas explicitando as diversas formas que a maternidade impacta na carreira. E, apesar desse tema ser debatido há muito tempo, ainda não existem muitas tentativas de mitigar como isso impacta diretamente nas vidas das mulheres, sendo essa uma recorrente causa de abandono de carreira e perda de promoções na área.
Em se tratando de maternar, é necessário destacar que, majoritariamente, esse papel é entregue às mulheres, fazendo com que suas vidas sejam mais impactadas com a chegada de um filho. Apesar das tentativas de se impulsionar uma melhor divisão entre os gêneros em papéis concernentes ao cuidado de um filho, tendo, inclusive a aplicação da licença paternidade em cargos públicos, a realidade atual ainda incumbe à mãe o maior papel de cuidado e zelo. Dessa forma, o assunto permite a análise de que a magistratura, por exemplo, usa-se de diversos critérios profissionalizantes e de atuação para as promoções na carreira, não havendo consideração do impacto do afastamento da vida profissional causado pela licença maternidade, algo que se demonstra prejudicial às mulheres, fazendo, inclusive, com que se crie um paradigma que diminui a vontade de se tornar mãe unicamente por critérios de perda de desenvolvimento de seu trabalho.
É um impacto muito grande na vida da mulher ter que escolher entre desenvolvimento pessoal e profissional, principalmente com estudos demonstrando mais recorrentemente que, em relação à magistratura, os homens têm mais filhos e casamentos mais duradouros. As necessidades de abdicação de atualização e de chance de concorrência a cargos são muito mais danosas para o gênero feminino, propiciando uma polarização que sempre implica na decisão entre pessoa e profissão.
Neste tópico, é importante ressaltar, inclusive, que a OAB propiciou alteração do Estatuto da Advocacia, através da Lei nº 13.363, de 2016, procurando criar melhores formas de inibir a discrepância na inserção feminina ao mercado de trabalho jurídico, trazendo temas como gravidez, lactação, pós-parto e adoção. Com isso, é evidente que a constante tentativa de expor e solucionar problemáticas referentes a quesitos relativos a mulheres demonstra uma maior facilidade do mundo jurídico em dificultar o crescimento profissional em detrimento da busca da maternidade e de valores pessoais de família.
4. A realidade feminina na carreira jurídica
A propositura de equidade de gênero está cada vez mais circundando a realidade jurídica, mas ainda existem diversos tópicos a serem dissertados. Além daquilo já exposto, os casos de assédio, a constante desmoralização e desvalorização, são fatos que desencorajam as mulheres a se manterem na carreira, demonstrando como os mais diferentes sentidos sociais impactam ativamente no meio profissional. O que ocorre é que a realidade feminina é explicitada dentro do ambiente de trabalho e os casos de violência de gênero que as mulheres sofrem em ambientes pessoais são transferidos para o profissional, trazendo à tona como é constante a associação daquilo que seria referente ao feminino com fatores de fraqueza e incapacidade.
Uma cartilha proposta pela OAB tematiza “Advocacia sem Assédio” trazendo a conscientização através de definições, demonstrações de legislação e de exemplos de atos que se enquadram como assédio moral e sexual. Esse documento aborda uma realidade enfrentada por muitas mulheres de forma cotidiana, havendo, inclusive uma explicitação de casos que se sustentam de forma verticalizada, ou seja, na posição hierárquica entre chefes e subordinados, refletindo diretamente com as questões abordadas nos tópicos anteriores. Sabendo que as mulheres enfrentam maiores empecilhos para alcançar poderio, na maioria dos casos os cargos femininos são de subordinação, na carreira jurídica, causando, portanto, maior insegurança no ambiente de trabalho.
Veja a Cartilha da OAB na íntegra clicando aqui!
5. Conclusão
Os diversos quesitos apontados acima não refletem apenas as dificuldades encontradas pelas mulheres na carreira jurídica, mas também as diversas iniciativas para a inversão desse quadro na sociedade. A seguridade da normatização dada a certos temas, assim como a iniciativa de órgãos como o CNJ e a OAB para o combate das problemáticas referentes à discriminação de gênero demonstram um maior compromisso com a mitigação das disparidades atuais. Apesar da realidade demonstrar que existem muitas dificuldades para as mulheres na carreira jurídica, é perceptível que a busca pela equidade de gênero está em enfoque, propiciando a construção de um ambiente de trabalho com mais respeito e diversidade.
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