A acessibilidade para ocupar vagas de trabalho no Brasil é um desafio para pessoas negras. Segundo pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgada no ano de 2022, a taxa de desocupação foi de 11,3% para a população branca, 16,5% para a preta e 16,2% para a parda. Os dados fazem parte do estudo “Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil” e demonstram como a taxa de desemprego se faz presente na realidade da comunidade negra do país.
Compreende-se que a ausência de pessoas negras dentro do mercado trabalhista é um projeto que impede o avanço do amplo debate sobre temas que tratam de aspectos relacionados à equidade, igualdade e diversidade nas organizações. É importante destacar que toda exclusão, pressupõem uma inclusão, assim cabe questionar: se pessoas negras não estão no mercado de trabalho, onde elas estão?
O Brasil é o lugar que mais tem pessoas negras fora do continente africano, entretanto, torna-se irônico perceber que a população negra brasileira, mesmo sendo maioria, é tratada como minoria na representatividade e efetividade de seus direitos individuais e coletivos. É fundamental analisar como questões que envolvem desigualdade racial, gênero, racismo, ensino, trabalho e políticas afirmativas atravessam a realidade da população negra dentro e fora do mercado de atividades brasileiro.
1 PACTO DA BRANQUITUDE E RACISMO ESTRUTURAL: COMO SE RELACIONAM?
O ‘’Pacto da Branquitude’’ é uma obra escrita pela psicóloga e ativista Cida Bento, no qual ela expõe algumas estratégias que pessoas brancas utilizam para manter privilégios, status e poder. Cida demonstra por meio de algumas análises que os processos de exclusão e manutenção de privilégios em várias instituições são semelhantes e ocorrem com base num discurso meritocrático que valoriza pessoas brancas em posições de poder dentro do mercado de trabalho.
Nesse sentido, a obra analisa diversas narrativas que são marcadas por discursos que frequentemente negam e silenciam a presença e as contribuições de pessoas negras por conta de questões raciais. A autora aponta um pacto de autopreservação na branquitude, evidenciando que aquele considerado como “diferente” é visto como uma ameaça ao “normal”. O preconceito, segundo Cida Bento, é originado do medo e da sensação de ameaça em relação ao outro, influenciando a representação, a reação e a negação dessa diferença dentro e fora dos ambientes de convívio social, sobretudo, no trabalho.
Por meio da obra, busca-se desvendar e compreender o modo como as relações sociais são moldadas através de aspectos estruturais e estruturantes. Para isso, cabe analisar que juntamente a ideia de um pacto formado para manter a hierarquização racial e social, o mesmo só é instituído justamente por conseguir amparo no racismo estrutural presente na sociedade brasileira.
O Racismo Estrutural está enraizado em diversas esferas da vida, como a educação, política, justiça, trabalho e tantas outras áreas. Assim, o conceito de racismo estrutural revela a importância de examinar as raízes sistêmicas da desigualdade racial para reconhecer que a discriminação não está apenas presente em atitudes individuais, mas está, essencialmente , nas estruturas que moldam as oportunidades e experiências direcionadas para pessoas brancas e pessoas negras. Para Silvio Almeida (2019), escritor do livro ‘’Racismo Estrutural’’, o racismo é o fio condutor para se pensar a formação do Brasil. Logo, o intelectual destaca a necessidade de encarar o racismo como ponto de partida para compreender a estrutura e conjuntura social brasileira, visto que
“o racismo é uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento, e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes que culminam em desvantagens ou privilégios para indivíduos, a depender do grupo racial ao qual pertençam” (p. 22 – Racismo Estrutural).
Desse modo, entende-se que o pacto formado por pessoas brancas no trabalho ou em qualquer outro setor da vida social, são reflexos históricos que ditam a forma de garantir ou não o acesso de pessoas negras a determinados espaços a partir do racismo estrutural, perpetuando a lógica de exclusão e naturalização de práticas racistas.
2 OS REFLEXOS DO RACISMO NA VIDA DAS PESSOAS NEGRAS: ENTRAVES PARA ALCANÇAR O MERCADO DE TRABALHO
Desde a diáspora africana forçada, as pessoas negras foram colocadas sob características que intrinsecamente lhes foram dadas pelos brancos como forma de estabelecer controle. No final do século XIX, o Brasil viu a incorporação de ideias como o positivismo, o social evolucionismo e o social-darwinismo no pensamento social do país. Essas teorias foram e ainda são frequentemente utilizadas para justificar a discriminação racial contra pessoas negras.
A ideia de inferioridade sustentada por teorias racistas se desdobrou para os mais diversos setores de vida da população racializada, marginalizando a experiência de homens, mulheres e crianças, colocando o grupo fora dos ambientes de disputa e transformando os indivíduos em cidadãos proibidos de protagonizarem a sua própria história. Para exempificar os entraves gerados e perpetuados pela escravatura, é possivel analisar o cenário da educação em relação ao povo negro brasileiro.
Em 1854, a proibição do estudo para negros estabelecida pelo Império determinou mais uma forma de exclusão para crianças e adolescentes afro-brasileiros. Esse fenômeno só foi parcialmente corrigido 180 anos depois com a promulgação da Lei de Políticas de Cotas instaurada em 2012. Essa medida, mesmo sendo a única oportunidade educacional para muitos, ainda suscita a indignação de alguns.
A implementação da Lei 12.711/2012, conhecida popularmente como ‘’Lei de Cotas’’ no Brasil, teve um impacto significativo na promoção da igualdade de oportunidades e na inclusão de grupos historicamente marginalizados no acesso à educação e ao ambiente laboral. A lei reserva um percentual de vagas em universidades públicas e concursos públicos para estudantes negros, pardos, indígenas e pessoas com deficiência, com o objetivo de promover a diversidade e igualdade no acesso a educação
Contudo, a adequação tardia de uma lei como essa no ordenamento jurídico brasileiro, demonstra o pouco caso em relação a se pensar a inclusão de pessoas negras e outras minorias dentro da dinâmica da sociedade. A implementação da norma ajudou a colocar em destaque a desigualdade racial e étnica existente no Brasil, estimulando debates e reflexões sobre o tema com o objetivo de demonstrar como a estrutura legislativa brasileira por muito tempo ficou inerte em relação a promover acessibilidade a grupos minoritários.
Nesse sentido, é possível compreender como o racismo estrutural determina a forma como pessoas negras vão experimentar o acesso ao ensino e, posteriormente, o acesso ao mercado de trabalho. O projeto de exclusão de pessoas negras nos mais ambientes do país não é uma mera coincidência, mas uma plano para aprofundar as desigualdades em prol de promover a manutenção do poder exercido de forma coercitiva por pessoas brancas.
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3 DADOS ESTATÍSTICOS E OS IMPACTOS NA COMUNIDADE NEGRA
Quando a desigualdade racial e de gênero é analisada e quantificada dentro do meio profissional, os resultados são ainda mais alarmantes. O inexpressivo acesso à educação por parte da população negra – principalmente, em relação às mulheres – torna-se um grande empecilho para a conquista de boas condições financeiras. Além disso, a pequena parcela que consegue conquistar uma posição de relevância nas empresas, sofre com um ambiente hostil que anula suas potencialidades devido às constantes situações atravessadas por violências racistas.
Cabe destacar que se existe uma disparidade no acesso ao mercado de trabalho, é imprescindível entender quem são as pessoas que ficam de fora desse ambiente. Entre aqueles que estão se esforçando para obter um vínculo trabalhista, o desemprego atinge mais negros e negras. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD CONTÍNUA) de 2019, no caso das mulheres negras, as desigualdades de raça e de gênero se sobrepõem, resultando nas maiores taxas de inatividade (47,3%) e de desemprego (8,9%). Por isso, os níveis e as características da participação feminina negra no trabalho remunerado de qualidade são uma urgência.
No mesmo sentido, superado o desafio da empregabilidade, verifica-se a marginalização da população não branca a subempregos ou à informalidade, pois o IBGE constatou que cerca de 60% dos trabalhadores e trabalhadoras informais no Brasil, por exemplo, são negros e negras. Não suficiente, essa parcela da população ocupa apenas 6,3% dos cargos de referência (gerenciais) e menos de 5% das posições executivas.
O racismo se apresenta na vulnerabilização dos corpos negros socialmente e economicamente, dado que a falta de qualidade do vínculo empregatício representa uma maior suscetibilidade às oscilações do mercado e a ausência de proteção social como a previdência, o seguro-desemprego e tantos outros direitos que são essenciais para o estabelecimento de uma vida digna.
A falta de ascensão de corpos negros a cargos que oferecem estabilidade profissional é justificada por uma errônea associação racista de que pessoas negras estão sempre inseridas em contextos de ocupações laborais de menor status dado sua baixa escolaridade. Nessa perspectiva, os corpos negros são descartados e classificados como inferiores para ocupar determinadas vagas, ressaltando mais uma vez a instrumentalização do racismo que reforça e reafirma o pacto da branquitude estabelecido por pessoas brancas dentro e fora das organizações
4 ESG E A EFETIVAÇÃO DA FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA
ESG é uma sigla em inglês para ambiental, social e governança (environmental, social and governance). Trata-se de ações que, essencialmente, abrangem a responsabilidade ambiental, social e de governança das empresas. Seus princípios estão pautados em práticas éticas que visam validar a atuação de uma empresa não só como empregadora, mas também como agente social.
Pertencente à sociedade e influente em seu meio, as empresas necessitam compreender os impactos gerados por suas ações, bem como o valor compartilhado com a classe consumidora. Um estudo realizado em 2020 pela McKinsey & Company, empresa global de consultoria de gestão, apresentou uma relação entre a existência de diversidade na gerência sênior e a saúde e performance das empresas. Outrossim, à medida que as empresas se comprometem, efetivamente, a trabalhar a inclusão social no quadro de funcionários, é gerado um aumento na fidelização de clientes.
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Em especial, o compromisso com a democracia racial dentro dos ambientes empresariais está fortemente correlacionado com resultados positivos. As empresas que são percebidas pelos funcionários como comprometidas com a inclusão e permanência de negros e negras em cargos de liderança, têm maior probabilidade de colher benefícios significativos.
Vale ressaltar que a função social das organizações tem a responsabilidade de garantir oportunidades e defender os direitos da população negra, conforme está previsto no Estatuto de Igualdade Racial (Lei 12.288/2010). Trabalhar a função social é a ampla possibilidade de intervir positivamente na economia, na política e na educação. Em face disso, pode-se afirmar que a função social da empresa é instituto que deve apresentar valores jurídicos, sociais e econômicos, em prol da diminuição das desigualdades.
Dado o exposto, compreender o impacto das questões raciais na sociedade, em todas as suas instâncias, é a oportunidade de promover mudanças estruturais para a construção de um ambiente mais justo e saudável. As instituições públicas e privadas devem refletir em seus espaços a presença da diversidade que existe dentro da sociedade, buscando pelo estabelecimento de uma ordem social que tenha como fundamento os princípios da igualdade e equidade para a efetivação de uma democracia plena, sobretudo, para as pessoas negras.
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O presente artigo tem a coautoria de Pedro Oliveira, pesquisador e estudante de Direito & Eduardo Damasceno, Presidente da EJUR e estudante de Direito.